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domingo, 20 de julho de 2014

E FOI-SE RUBEM ALVES DEIXANDO SAUDADES

Queridos.

Quero falar sobre o meu desconforto por duas postagens consecutivas a respeito da morte de dois grandes nomes da literatura brasileira. Ontem foi João Ubaldo Ribeiro e hoje, Rubem Alves.


Confesso que é com muita tristeza que faço essa postagem, haja vista que eu também sou apaixonada pelas coisas que Rubem Alves produziu. Tenho alguns livros dele e sou fã da sua forma de escrever, de filosofar sobre as coisas simples da vida de forma tão profunda, como ele fazia.

Rubem Alves estava internado desde o dia 10 de julho, com infecção pulmonar e partiu hoje, deixando saudades. 

Quero pedir desculpa pela extensão do texto; não era pretensão deixá-lo assim, mas não tive como não registrar tudo o que está aqui. Se tivesse espaço, eu faria muito mais, como não posso, resta-me limitar as palavras.

Há alguns anos eu tive contato com as obras de Alves e, de cara me apaixonei pela sua forma ímpar de escrever, de refletir sobre diversas temáticas, muitas delas complexas, mas com uma simplicidade muito particular, que só ele sabia fazer.

Como esquecer das crônicas de Rubem que exalam ternura, amor, profundidade e beleza?

O livro "O Retorno e Terno" foi o primeiro que eu li. Lembro-me das crônicas "Tênis X Frescobol", "Cartas de amor", "As razões do amor" e muitas outras.

Posteriormente li "O amor que acende a lua" Simplesmente, magnífico! 

Depois dessa obra li "Concerto para corpo e alma" com suas crônicas singulares "Sobre simplicidade e sabedoria", "Tudo por causa do olhar" e tantas outras.

A partir daí, sempre que tinha oportunidade eu lia as produções de Rubem, a respeito de vários assuntos. Tive ainda a oportunidade de ir a um evento que tinha como palestrante ninguém menos que... Rubem Alves. Sensacional!

Não posso deixar de registrar, pelo menos, duas crônicas do escritor, a fim de matar as saudades, de compartilhar com aqueles que não conhecem e reforçar com os que admiram as obras desse grande escritor, poeta, teólogo, filósofo, pedagogo, psicanalista e apreciador das coisas simples.

A alegria e a tristeza


Freud disse que são duas as fomes que moram no corpo. A primeira fome é a fome de conhecer o mundo em que vivemos. Queremos conhecer o mundo para sobreviver. Se não tivéssemos conhecimento do mundo à nossa volta, saltaríamos pelas janelas dos edifícios, ignorando a força da gravidade, e poríamos a mão no fogo, por não saber que o fogo queima.

A segunda fome é a fome do prazer. Tudo o que vive busca o prazer. O melhor exemplo dessa fome é o desejo do prazer sexual. Temos fome de sexo porque é gostoso. Se não fosse gostoso, ninguém o procuraria e, como conseqüência, a raça humana acabaria. O desejo do prazer seduz.

Gostaria de poder ter tido uma conversinha com ele sobre as fomes, porque eu acredito que há uma terceira: a fome de alegria.

Antigamente eu pensava que prazer e alegria eram a mesma coisa. Não são. É possível ter um prazer triste. A amante de Tomás, da A Insustentável Leveza do Ser, se lamentava: “Não quero prazer, quero alegria!”

As diferenças. Para haver prazer é preciso primeiro que haja um objeto que dê prazer: um caqui, uma taça de vinho, uma pessoa a quem beijar. Mas a fome de prazer logo se satisfaz. Quantos caquis conseguimos comer? Quantas taças de vinho conseguimos beber? Quantos beijos conseguimos suportar? Chega um momento em que se diz: “Não quero mais. Não tenho mais fome de prazer...”

A fome de alegria é diferente. Primeiro, ela não precisa de um objeto. Por vezes, basta uma memória. Fico alegre só de pensar num momento de felicidade que já passou. E, em segundo lugar, a fome de alegria jamais diz: “Chega de alegria. Não quero mais...” A fome de alegria é insaciável.

Bernardo Soares disse que não vemos o que vemos, vemos o que somos. Se estamos alegres, nossa alegria se projeta sobre o mundo e ele fica alegre, brincalhão. Acho que Alberto Caeiro estava alegre ao escrever este poema: "As bolas de sabão que esta criança se entretém a largar de uma palhinha são translucidamente uma filosofia toda. Claras, inúteis, passageiras, amigas dos olhos, são aquilo que são... Algumas mal se vêem no ar lúcido. São como a brisa que passa...E que só sabemos que passa porque qualquer cousa se aligeira em nós...”

A alegria não é um estado constante – bolas de sabão. Ela acontece, subitamente. Guimarães Rosa disse que a alegria só acontece em raros momentos de distração. Não se sabe o que fazer para produzi-la. Mas basta que ela brilhe de vez em quando para que o mundo fique leve e luminoso. Quando se tem a alegria, a gente diz: “Por esse momento de alegria valeu a pena o Universo ter sido criado”.

Fui terapeuta por vários anos. Ouvi os sofrimentos de muitas pessoas, cada um de um jeito. Mas por detrás de todas as queixas havia um único desejo: alegria. Quem tem alegria está em paz com o Universo, sente que a vida faz sentido.

Norman Brown observou que perdemos a alegria por haver perdido a simplicidade de viver que há nos animais. Minha cadela Lola está sempre alegre por quase nada. Sei disso porque ela sorri à toa. Sorri com o rabo.

Mas, de vez em quando, por razões que não se entende bem, a luz da alegria se apaga. O mundo inteiro fica sombrio e pesado. Vem a tristeza. As linhas do rosto ficam verticais, dominadas pelas forças do peso que fazem afundar. Os sentidos se tornam indiferentes a tudo. O mundo se torna uma pasta pegajosa e escura. É a depressão. O que o deprimido deseja é perder a consciência de tudo para parar de sofrer. E vem o desejo do grande sono sem retorno.

Antigamente, sem saber o que fazer, os médicos prescreviam viagens, achando que cenários novos seriam uma boa distração da tristeza. Eles não sabiam que é inútil viajar para outros lugares se não conseguimos desembarcar de nós mesmos. Os tolos tentam consolar. Argumentam apontando para as razões para se estar alegre: o mundo é tão bonito... Isso só contribui para aumentar a tristeza. As músicas doem. Os poemas fazem chorar. A TV irrita. Mas o mais insuportável de tudo são os risos alegres dos outros que mostram que o deprimido está num purgatório do qual não vê saída. Nada vale a pena.

E uma sensação física estranha faz morada no peito, como se um polvo o apertasse. Ou esse aperto seria produzido por um vácuo interior? É Thanatos fazendo o seu trabalho. Por que quando a alegria se vai ela entra...

Os médicos dizem que a alegria e a depressão são as formas sensíveis que tomam os equilíbrios e os desequilíbrios da química que controla o corpo. Que coisa mais curiosa: que a alegria e a tristeza sejam máscaras da química! O corpo é muito misterioso...

Aí, de repente, sem se anunciar, ao acordar de manhã, percebe-se que o mundo está de novo colorido e cheio de bolhas translúcidas de sabão... A alegria voltou!




"Resta" 

Comovo-me ao recordar-me do poema do Vinicius " O haver". É um poema crepuscular. Ele contempla o horizonte avermelhado, volta-se para trás e faz um inventário do que sobrou.
Fiquei com vontade de fazer algo parecido,sabendo que não sou Vinícius,não sou poeta, nada sei sobre métrica e rimas. 

E eu começaria cada parágrafo com a mesma palavra com que ele começou as suas estrofes:
Resta... Resta a luz do crepúsculo, essa mistura dilacerante de beleza e tristeza. Antes que ele comece ao fim do dia,o crepúsculo começa na gente.

O *Miguelim menino já sentia assim: "O tempo não cabia. De manhã já era noite...".Assim eu me sinto, um ser crepuscular. Um verso de Rilke me conta a verdade sobre a vida:"Quem foi que nos fascinou para que tivéssemos uma ar de despedida em tudo o que fazemos?". 

Restam os amigos. Quando tudo está perdido,os amigos permanecem. Lembro-me da antiga canção de Carole King,"You got a friend": "Se você está triste,no fundo do abismo e tudo dando errado, precisando de alguém que o ajude -feche os olhos e pense em mim. Logo logo estarei ao seu lado para iluminar a noite escura.Basta que você chame o meu nome...Você sabe que eu virei correndo pra ver você e de novo . Inverno,´primavera, verão ou outono, basta me chamar que eu estarei ao seu lado. Você tem um amigo..." . 

Eu tenho muitos amigos que continuam a gostar de mim a despeito de me conhecerem. E tenho também muitos amigos que nunca vi. 

Resta a experiência de um tempo que passa cada vez mais depressa,"Tempus Fugit"."Quando se vê já são seis horas. Quando se vê já é sexta-feira. Quando se vê já é Natal. Quando se vê já terminou o ano. Quando se vê não sabemos por onde andam nossos amigos.Quando se vê já se passaram cinquenta anos...(Mário Quintana). Resta uma ternura por tudo que é fraco,do pássaro de asa quebrada ao velho trôpego e surdo. 

Fui um adolescente fraco e amedrontado. Apanhei sem reagir. Cresceu dentro de mim uma fera que dorme. 

Toda vez que vejo uma criança, uma pessoa humilde e indefesa sendo humilhada por uma pessoa que se julga grande coisa, a fera acorda e ruge. Tenho medo dela. 
Resta a minha fidelidade às minhas opiniões que teimo em tornar públicas,o que me tem valido muitas tristezas e sucessivos exílios. Mas sei que minhas opiniões,todas as opiniões, não passam de opiniões. Não são a verdade.

Ninguém sabe o que é a verdade. Meu passado está cheio de certezas absolutas que ruíram com os meus deuses. 

Todas as pessoas que se julgam possuidoras da verdade se tornam inquisidoras.Por isso é preciso tolerância.

Resta a verdade que, muitas vezes, fica nublada, escondida pela maldade de alguns seres humanos. 

Resta, na catedral vazia, a luz dos vitrais coloridos, o silêncio,o repicar dos sinos,o canto gregoriano, a música de Bach, de Beethoven, de Brahms, de Rachmaninoff, de Fauré, de Ravel... 

Resta ainda, no pátios da catedral arruinada, a música de Jobim, do Chico, de Piazzola... 
Resta quanto tempo? Não sei.

O relógio da vida não tem ponteiros.Só se ouve o tique taque...

Só posso dizer: " Carpe Diem" - colha o dia como um morango vermelho que cresce à beira do abismo. É o que tento fazer.

Rubem Alves nasceu no interior de Minas Ge­rais e é escritor, pedagogo, teólogo e psicanalista.


Leitores queridos, resta-me lamentar mais essa perda e desejar a vocês, me apropriando das palavras do próprio Rubem Alves, que "colham o dia como um morango vermelho que cresce à beira do abismo" e vivam intensamente, pois a vida passa rápido, muito rápido.

E, para concluir quero deixar uma reflexão de Rubem sobre a vida, "a sonata da vida"...

"Compreendi, então,
que a vida não é uma sonata que,
para realizar a sua beleza,
tem de ser tocada até o fim.
Dei-me conta, ao contrário,
de que a vida é um álbum de mini-sonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado,
por efêmero que seja,
é uma experiência completa
que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor
justifica a vida inteira."


CARPE DIEM!!!

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